Se o presidente eleito dos Estados Unidos Donald Trump cumprir a promessa de campanha de introduzir uma tarifa geral de 20% sobre as importações dos americanos de todos os países e de 60% sobre bens da China, a maior economia do mundo atingiria o maior nível de protecionismo desde a Grande Depressão.
A medida, que teve origem no Senado americano, foi adotada no governo do também republicano Herbert Hoover, numa tentativa de enfrentar a crise instalada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929, mas acabou entrando para a História como uma das culpadas por aprofundar e prolongar a recessão consagrada como Grande Depressão.
O próprio Escritório Histórico do Senado dos EUA define em seu site a Smoot-Hawley como um dos “atos mais catastróficos da história do Congresso”. Isso porque o tarifaço provocou a reação de outros países, que retaliaram os EUA com elevação de tarifas, levando a uma guerra comercial. Houve um colapso do comércio global, conta o economista Douglas A. Irwin, professor do Dartmouth College, no livro “Conflitos sobre o Comércio: Uma História da Política Comercial dos EUA”, de 2017.
“Esse resultado desastroso, e em grande parte inesperado, fez com que políticos e o público associassem altas tarifas à Grande Depressão”, escreve Irwin, presidente da Associação de História Econômica americana.
O tarifaço acabou representando uma ruptura, sustenta a obra. A crise deu a vitória eleitoral à oposição no pleito presidencial de 1932, e o Partido Democrata voltou ao poder com Franklin D. Roosevelt — que liderou o país na Segunda Guerra Mundial e, antes disso, criou o programa batizado de New Deal, que tirou os EUA da Grande Depressão.
Na política de comércio exterior, Roosevelt deu um cavalo de pau. Firmou acordos comerciais com diversos países, usando a redução de tarifas como barganha para exportar mais produtos americanos.
As eleições legislativas de 1930 e 1932 mudaram os ventos também no Congresso, que, em 1934, aprovou a Lei de Acordos Comerciais Recíprocos, dando ao presidente o poder de firmar tratados sem depender de aprovação parlamentar.
Essa ruptura deu início a um consenso bipartidário em torno do livre comércio nos EUA, que durou décadas e fez as tarifas de importação tombarem.
Nas contas de um estudo publicado mês passado pela Tax Foundation, uma entidade de pesquisa sem fins lucrativos dedicada a temas tributários, a taxa média sobre todos os bens importados nos EUA saiu de 19,8%, durante a Grande Depressão, para 1,4%, em 2017, início do primeiro governo Trump.
Ensaio
A data de comparação não foi escolhida por acaso. Antes de abraçar de vez a elevação de tarifas como proposta na campanha deste ano, Trump fez um ensaio em seu primeiro mandato, em 2017, com foco na China, e em bens como aço, alumínio, máquinas de lavar roupa e painéis solares. Foi o início da atual “guerra comercial” entre as duas maiores economias do mundo.
Nos cálculos do estudo da Tax Foundation, Trump deixou a Casa Branca, em 2020, com a tarifa média sobre todos os importados em 2,8%, o dobro de 2017.
Trump e seus assessores sustentam que o fato de que a inflação não subiu até 2020 é uma prova do sucesso da elevação de tarifas, mas estimativas de 2019, da agência de classificação de risco Moody’s e da agência de notícias Bloomberg, apontaram que as medidas comerciais do primeiro governo Trump custaram US$ 316 bilhões em termos de PIB e fecharam 300 mil empregos.
Não está claro se o novo tarifaço de Trump sairá logo do papel ou se até mesmo não passará de promessa de campanha.
O discurso da vitória do presidente eleito trouxe moderação em relação a algumas das propostas. Por outro lado, o jornal de negócios britânico Financial Times informou na sexta-feira que Trump teria convidado de volta ao governo Robert Lighthizer, que chefiou o comércio exterior no primeiro mandato do republicano e iniciou a guerra comercial com a China.
Se as propostas aventadas durante a corrida eleitoral forem colocadas em prática, a tarifa média de importação dos EUA poderá saltar para 17,7%, sete vezes mais do que o nível atual, ainda segundo a Tax Foundation. As informações são do jornal O Globo.