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Colunistas Tudo “acontece”? Nãooooooooo!

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Recado

“Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com o Dops.” – Graciliano Ramos

Acontece

“As eleições acontecem no próximo domingo.” A frase aparece nos jornais. Pulula nos sites. Figura em blogues e telejornais. Faz e acontece na boca do povo. Ufa!

Acontecer é um verbo cheio de caprichos. Elitista, tem poucos empregos. Mas, por capricho do destino, os colunistas sociais o adotaram. A moda se espalhou como as notícias fraudulentas. Virou praga.

Tudo “acontece”. Até pessoas: Maria está acontecendo no YouTube. O velório de Joaquim Roriz acontece no Memorial JK. O casamento acontece na catedral. O show acontece às 22h. E por aí vai.

Reação

Violentado, o verbo vira a cara. Esperneia. E se vinga. Deixa mal quem abusa dele. Diz que o atrevido sofre de pobreza de vocabulário.

Para não cair na boca do povo, só há uma saída. Empregá-lo na acepção de suceder de repente. Acontecer dá a ideia do inesperado, desconhecido: Caso acontecesse a explosão, muitas mortes poderiam ocorrer.

O verbinho de sangue azul sente-se muito bem com os pronomes indefinidos (tudo, nada, todos), demonstrativos (este, isto, esse, aquele) e o interrogativo que: Tudo acontece no feriado. Aquilo não aconteceu por acaso. O que aconteceu?

Saídas

Não use acontecer no sentido de ser, haver, realizar-se, ocorrer, suceder, existir, verificar-se, dar-se, estar marcado para. Se você insistir, prepare-se. É briga certa. Melhor não entrar nessa. Busque saídas.
Uma delas é substituir o verbo: O show acontece (está marcado para) as 21h. O festival aconteceu (realizou-se) no ano passado. O crime não aconteceu (ocorreu). Acontecem (ocorrem) casos de prisão de inocentes durante as batidas policiais. O Enem está previsto para acontecer em novembro (previsto para novembro). Não aconteceu (houve) o rigoroso inverno.

Outra é mudar a frase. A prisão aconteceu ontem (A polícia prendeu o ladrão ontem.) O show do Roberto Carlos aconteceu no Centro de Convenções. (Roberto Carlos se apresentou no Centro de Convenções). A divulgação do resultado acontece logo mais. (O resultado será divulgado logo mais). O início da prova aconteceu às 8h (a prova se iniciou às 8h).

Moral da história

Xô, modismo!

Leitor pergunta

– O candidato é de extrema direita? Ou de extrema-direita? De extrema esquerda? Ou de extrema-esquerda? (Maria Silva, Sobradinho)

Olho vivo! A tendência política é livre e solta. Sem hífen: é político de extrema direita, mas já militou na extrema esquerda. O tracinho tem vez na linguagem futebolística: Uns têm talento pra jogar na extrema-direita, outros na extrema-esquerda.

– Tive uma crise renal. A dor era tanta que fui medicada com morfina. O sofrimento passou, mas deixou uma curiosidade. Qual a origem do nome do remédio quase mágico? (Vera Alves, Recife)

A história nasceu na mitologia grega. Tem tudo a ver com Morfeu. Ele é deus do sono e dos sonhos. Daí a expressão “estar nos braços de Morfeu”, que significa estar dormindo. O nome do mito vem do grego “morfo” (“forma”). Não por acaso. Chama-se assim porque Morfeu tem uma missão: tomar a forma humana e aparecer aos homens durante os sonhos.

O deus cumpre a obrigação numa boa. Dono de grandes asas, transporta-se com facilidade às extremidades da Terra. Sem ruídos. Com uma papoula, faz os mortais adormecerem. De Morfeu originou-se a palavra morfina. Por duas razões. A primeira: o poder sedativo vem do ópio, narcótico subtraído da papoula. A outra: além de aliviar as dores, a morfina faz dormir.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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