Apesar de viver há três décadas em Brasília, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha conserva intacto o sotaque de Belo Horizonte (MG), sua cidade natal. A mineira radicada na capital federal assumirá em 2025 a presidência do Superior Tribunal Militar (STM), Corte responsável por julgar desvios de integrantes das Forças Armadas.
Aos 64 anos, 30 deles dedicados ao ensino de Direito Constitucional, ela é uma voz progressista – e frequentemente contramajoritária – no tribunal. O STM é composto por 14 homens, a maioria veio das carreiras militares. Ela é a única mulher na Corte.
“Eu não quero ser homogênea junto aos meus pares para me sentir, entre aspas, incluída. Eu sou a única do meu gênero, a única que usa saias aqui dentro do tribunal. Então, é importante que a minha voz defenda não apenas as mulheres, mas também todas as minorias”, afirma em entrevista ao Estadão.
É a primeira vez que uma mulher se elege para um mandato completo, de dois anos, à frente no Superior Tribunal Militar. Antes, entre junho de 2014 e março de 2015, ela assumiu a presidência do STM para um mandato tampão, após a aposentadoria do ministro Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, de quem foi vice.
Em sua primeira passagem na presidência, mandou degravar todos os áudios das sessões secretas dos presos políticos julgados na ditadura militar (1964-1985). Maria Elizabeth é casada com o general de divisão Romeu Costa Ribeiro Bastos. O irmão dele, Paulo Costa Ribeiro Bastos, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), guerrilha contra a ditadura, foi torturado e morto pelos militares.
“Isso afetou profundamente a minha família e a família do meu marido. O meu sogro era um general, o meu marido é um general, e é o que eu costumo dizer, a ditadura não escolhe suas vítimas”, conta à reportagem.
Apaixonada por cinema, ela assistiu ao filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que retrata o drama da família do ex-deputado Rubens Paiva após o seu desaparecimento durante a ditadura. “Saí com lágrimas nos olhos”, confessa.
A ministra é leitora voraz de Elena Ferrante, escritora italiana que escreve sob o pseudônimo e mantém sua identidade em segredo há décadas. Ferrante é famosa por explorar temas como gênero, traição e maternidade. Maria Elizabeth não tem filhos. “Sempre priorizei minha carreira, e isso eu falo abertamente. Tive que fazer uma escolha trágica, que foi renunciar à maternidade, para poder priorizar o meu lado profissional.”
Como presidente do Superior Tribunal Militar, ela poderá conduzir o julgamento de ações que se avizinham sobre os oficiais envolvidos no plano de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder, inclusive generais. Cabe à Justiça Militar decidir sobre a cassação de suas patentes e também julgar crimes militares que podem ter sido cometidos em conjunto com os crimes comuns, cuja atribuição para julgamento é do Supremo Tribunal Federal (STF). “Se realmente for constatada a conduta típica, como nós chamamos, não há o que fazer, a não ser sancionar”, afirma.
Questionada sobre as alterações previstas para as carreiras militares na PEC do corte de gastos, enviada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso, como fixar uma idade mínima de aposentadoria dos oficiais, ela pondera: “Um Exército de velhos que não consegue segurar uma baioneta, que não consegue atirar um fuzil, pode comprometer a soberania da pátria e da nação.”
Como magistrada, no entanto, ela concorda com outro ponto da PEC: o que prevê acabar com penduricalhos e limitar a remuneração dos servidores públicos efetivamente ao teto constitucional (R$ 44 mil). “Quem quer enriquecer tem que procurar iniciativa privada. O servidor público é vocacionado”, defende.
Antes de ser indicada ao STM, no segundo mandato do presidente Lula, Maria Elizabeth foi procuradora federal, aprovada em primeiro lugar no concurso. Na administração pública, percorreu diferentes órgãos, como a Câmara dos Deputados, o Tribunal Superior Eleitoral e a Casa Civil da Presidência da República. (Estadão Conteúdo)