Sexta-feira, 25 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 7 de setembro de 2015
É um senhor alto, careca, tipo magricelo de pernas finas, e bastante ativo aos 72 anos. Não é comum ver, por aí, médicos sendo abordados por fãs e curiosos, mas com Drauzio Varella é diferente. Ele é da época dos autógrafos e hoje é capturado por selfies. Atende a todos com simpatia.
Gravando o quadro “Qual É a Diferença?” para o “Fantástico”, da TV Globo, nas ruas, ele não deixa de atender ao público. “Às vezes as pessoas confundem a imagem que elas têm na TV com a imagem própria. E começam a se achar realmente especiais. Não tenho essa imaturidade”, reforça o médico, presença constante no programa há 16 anos.
Aos domingos, ao lado de Breno Viola, Varella tem apresentado histórias de pessoas com síndrome de Down. Ele compreende que a presença no dominical causa efeitos certeiros no público. Com o tempo, talvez pela sensibilidade com que discute temas delicados, passou a ser visto como alguém apto a solucionar qualquer problema.
“Recebo pedidos o tempo todo. Especialmente os de ajuda de quem tem dificuldade de conseguir assistência médica. A pessoa deposita em você confiança, acha que você tem condições de resolver tudo. E você não tem. Como interferir em um hospital público? Nem é justo, porque têm pessoas, filas. Essa é a parte mais frustrante”, lamenta o autor de “Estação Carandiru”.
Empatia.
Em um dado momento da conversa, o médico ressalta, com o refinamento de escritor: “Cada pessoa é o resultado das vivências, das lembranças que tem e das que esqueceu”. A observação pontua sua perspectiva sobre o envolvimento entre médico e paciente. Aqui, novamente, ele contraria a postura de severidade, atribuída aos colegas de profissão. “Não acredito que se possa fazer medicina sem ter empatia pelo paciente. Lembro de casos de doentes que cuidei há 30 anos. Nos trabalhos na cadeia, acho que recordo de todos os garotos esfaqueados que vi. E essas imagens me assaltam nos momentos que menos espero”, revela.
A popularidade do médico se mantém saudável, embora, em uma extensão de sua humanidade valente, faça questão de despetalar tabus. Varella já se posicionou sobre a homossexualidade, afastando-a dos dentes da discriminação. “Os que têm desejo por pessoas do mesmo sexo têm uma sexualidade tão respeitável quanto a dos heterossexuais. Ainda bem que há essa diversidade”, conclui. Da mesma forma, é sagaz ao analisar a intersecção entre religião e medicina. “Não pode haver mistura. Como médico, não posso achar que um Deus que está me olhando, vai curar meu doente sem eu tomar as medidas cabíveis. Sou ateu desde criança. Sempre tive essa dificuldade de aceitar ideias mágicas. O problema é que as pessoas acham que as qualidades humanas só são possíveis a quem tem religião, e são tantas as religiões no mundo. Onde está a verdade?”, instiga.
É em São Paulo que mora o homem que, driblando as intempéries da fama, se esmiúça em seus afazeres. Casado com a atriz Regina Braga, pai de duas mulheres e avô de uma dupla de meninas, ele faz questão de exercer o ofício que cumpre desde os 23. “Tenho medo de parar e sentir falta”, admite. Semanalmente, cerca de 50 pessoas consultam o médico, entre a clínica no Hospital Sírio-Libanês e o trabalho na Penitenciária Feminina de São Paulo. Cancerologista, viu inúmeras mortes e sentiu as farpas da inevitável hora rente ao corpo, frágil ao contrair febre amarela em 2004.
Aceitação da morte.
“Quando chega devagar, a morte te prepara, e você aceita. Fiquei muito doente, largado, mas tranquilo. Vi, diariamente, outras pessoas passarem por essa experiência, que todos vão passar. Se não tivesse aprendido nada, seria muita distração minha, né? Não gostaria de morrer, mas vivo com a sensação permanente de que a vida pode acabar e que, à medida que fico mais velho, o horizonte se estreita. Mas não sou pessimista. Ao contrário. O tempo se encurta e fico mais objetivo e focado”, enfatiza. (AG)