Sábado, 28 de setembro de 2024
Por Redação O Sul | 1 de janeiro de 2024
Um novo ano se inicia com uma nova fase para o Brics e para o tabuleiro político internacional. Atualmente, o grupo — formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia e China e, desde 2011, pela África do Sul — terá também Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Egito entre seus membros. Com a expansão, o clube de países emergentes passa a representar 27% do PIB mundial e 43% da população do planeta.
A Argentina retirou sua adesão na última sexta. Ainda na campanha presidencial, o presidente ultradireitista Javier Milei declarou que não se alinharia a “comunistas”, termo que então se referia a alguns dos países do Brics. A decisão não surpreendeu Brasília, mas é um revés para o governo brasileiro, que inicialmente foi contra a expansão por temer a diluição de seu poder. Voto vencido quanto à ampliação do grupo, a presença do aliado sul-americano ao menos atendia aos interesses regionais do Brasil e representava uma tentativa de equilibrar as forças internas ante uma liderança natural da China.
Para alguns analistas, a natureza predominantemente econômica na qual o Brics se baseava quando foi fundado deu lugar a uma força antagônica à hegemonia dos Estados Unidos, sobretudo com o acirramento das tensões entre Pequim e Washington nos últimos anos — embora alguns membros do próprio grupo, como Brasil e Índia, tentem afastar tal ideia. Nesse sentido, uma das principais agendas é promover a desdolarização da economia global.
Um dos defensores mais vocais da desdolarização é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que no ano passado criticou a predominância do dólar em mais de uma ocasião. Para Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais da Uerj, “um mundo com mais opções além do dólar” seria interessante para o Brasil, que tem Pequim como maior parceiro comercial — embora menos de 1% das transações brasileiras sejam feitas em yuan, contra 90% em dólar.
“Se a gente passar a fazer a maior parte do comércio com a China na moeda chinesa, isso vai baratear os custos de transação”, afirma Santoro, destacando que a manobra também facilitaria a inserção de empresas brasileiras no mercado financeiro chinês. “Para o Brasil, há benefícios econômicos e também políticos dentro da visão do presidente Lula, que quer dar ênfase nas relações com países do Sul Global.”
Segundo Daniel Sousa, economista e apresentador do podcast Petit Journal, outra vantagem é o aumento do poder de negociação.
“No caso de países como o Brasil e a Índia, que não têm uma ambição de impor as suas moedas como hegemônicas, se o sistema se tornar multipolar, aumenta a capacidade deles de barganha”, analisa. “Os americanos chegaram a declarar quando houve a expansão [do Brics] que “isso não nos preocupa”. O que é a maior prova que preocupa, porque se não preocupasse, não falariam nada.
Para Sousa, “a moeda é um dos braços do projeto político hegemônico” americano. “Ao conseguir emplacar a dolarização, o primeiro benefício é que os EUA não tão sujeitos à flutuação cambial: como tudo é cotado em dólares, os americanos lidam com uma variável a menos de risco”, explica o economista.
Além disso, a dolarização concede aos EUA um enorme poder de influência sob a dinâmica do sistema financeiro internacional, determinando quando há mais ou menos dinheiro em circulação. Segundo Sousa, o país ainda se posiciona naturalmente como um dos principais financiadores e emprestadores mundo afora através do Fundo Monetário Internacional (FMI), no qual detém a maioria das cotas.
“Os EUA conseguem influenciar a agenda de outro país porque ele depende dos americanos. E, claro, estar fora dessa agenda quando o dólar é a moeda de referência tem um peso.”
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, o uso da moeda americana como arma política ganhou novos contornos a partir do congelamento das reservas russas em bancos ocidentais e a expulsão do país do principal sistema de pagamento internacional, o Swift. Como efeito, Moscou e seus parceiros precisaram encontrar alternativas para continuar suas operações, o que acabou impulsionando o uso de moedas locais, sobretudo a chinesa.
“A guerra aproximou a China e a Rússia. Por exemplo, as exportações de petróleo para a China feitas pela Rússia são pagas hoje em yuan num sistema paralelo administrado pelo Banco da China”, explica Alexandre Costa, ex-consultor da instituição, doutor em Relações Internacionais e secretário da International Political Science Association.
Segundo Santoro, as sanções à Rússia deixaram uma “lição muito amarga” de que não se pode confiar no dólar, motivando uma busca por “outra ferramenta que não esteja sujeita ao poder dos Estados Unidos”: “As lições estão sendo compartilhadas por países como a China. Se daqui a cinco ou dez anos o país entrar numa guerra contra os EUA por causa de Taiwan, Pequim quer evitar que seus ativos em dólar no exterior passem por um confisco semelhante. O mesmo vale para o Irã, que tem um longo histórico de conflitos com o Ocidente.”