Sábado, 28 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 8 de julho de 2024
Charles Bukowski, James Joyce, Clarice Lispector, Gabriel García Márquez, Mia Couto, Virginia Woolf, James Baldwin, Manuel Bandeira – diga o nome e é provável que Bruna Lombardi já tenha lido. Isso fica claro diante das pilhas de livros que se espalham pelo chão do que já foi um dia a biblioteca da família.
Foi ali, em uma ampla sala de dois andares, uma construção anexa à sua casa em São Paulo, em pleno jardim, que a atriz e escritora falou de seus livros.
Pelas paredes de vidro, vemos a natureza lá fora. Dentro, um acolhedor espaço com decoração moderna, esculturas, sofás. E os livros – ainda em fase de organização porque a tal biblioteca, que abrigava os exemplares que ela colecionava desde menina e que foram se juntando ao longo da vida aos do marido, o ator Carlos Alberto Riccelli, e, mais tarde, aos do filho, Kim Lombardi Riccelli, está sendo reformulada.
Recentemente, a família decidiu que não precisava manter todos aqueles títulos. Depois de uma reforma, o espaço agora conta apenas com duas estantes no segundo andar. Outros exemplares foram parar em outros ambientes da casa: no escritório, sala de estar, em um estúdio. O restante, doado.
“Nós reorganizamos todos os livros, vemos o que é relevante, o que queremos que fique. E fazemos doações anuais, porque todo dia chegam livros em casa. É uma constante. Resolvemos que não precisamos acumular. Temos que manter apenas o que queremos”, diz a atriz, modelo e escritora de 71 anos.
As pilhas no chão fazem parte dessa mutação constante pela qual a biblioteca dela passa. Assim, o que não encontrar mais lugar ali será destinado a outros leitores. E o que merece ficar? Livros de amigos escritores, livros que serão relidos, edições especiais ou de valor sentimental.
“É como ter um amigo próximo. Tem livros de poesia que releio o tempo inteiro. Esses livros fazem parte da minha extensão, são quase que de memória, de consulta. Aqueles que, constantemente, você lê e relê. Tem livros que foram muito marcantes para a minha vida. Livros da minha adolescência, que foram a descoberta do mundo. O livro físico carrega histórias. Desses, não vou me desfazer”, explica.
Bruna Lombardi leitora
Entre os livros no chão e nas estantes, aparece um pouco de tudo: vimos edições antigas de Milan Kundera, um livro de psicanálise, clássicos nacionais e estrangeiros e livros recentes de autores contemporâneos, como Morgana Kretzmann e Leandro Karnal.
A diversidade reflete o perfil de Bruna enquanto leitora. Ao ser questionada sobre o que tem lido ultimamente, ela cita Giovana Madalosso, Maria Adelaide Amaral e Tom Farias. Contudo, ela conta que está relendo Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, e mostra, em seu colo, uma edição antiga da obra.
“Quando li esse livro, eu o assinei. Está aqui minha assinatura, de 1969 ou 1970. Eu escrevi assim: ‘o melhor livro’”, diz, mostrando a folha de rosto do exemplar. Ela lembra que teve o privilégio de conhecer o escritor colombiano: “Nunca pensei que isso fosse acontecer. É difícil você falar para uma pessoa o que o trabalho dela significou na tua vida. Quantos horizontes aquilo te abriu, quantas vezes aquilo te fez voar. Tenho várias edições desse livro”.
Outro livro que ela encontra por perto e que considera especial é Ulisses, de James Joyce. “Eu devia ser adolescente quando comprei esse livro”, conta, mostrando uma edição que acredita ser do final da década de 1960. ”Eu pesquisava, vivia em bibliotecas e livrarias. Quando o livro saiu, todo mundo falava dele. Mas quem falava eram os adultos, não uma garotinha adolescente. Mas eu era muito metida, muito pretensiosa na época. Fui à livraria e perguntei: ‘você tem o Ulisses, do Joyce? Eu quero reler’. Era assim, porque eu achava uma vergonha eu, com 15 anos, não ter lido ainda.”
Bruna descreve isso como uma espécie de cobrança interna – ela achava que precisava ler tudo, saber tudo. “Era uma cobrança muito instintiva. Mas o que ela me deu? Me deu força, segurança, tranquilidade cultural. Eu nunca temi ninguém, nunca temi um ambiente cultural, nunca temi conversar com intelectuais, sejam brasileiros, sejam de fora”, afirma, lembrando que conheceu pessoas como Gore Vidal (1925-2012) e Allen Ginsberg (1926-1997).
Hoje, a atriz ainda é leitora ávida, apesar de não manter uma rotina específica de leitura. “Eu escrevo, leio, viajo e trabalho na medida em que a oportunidade aparece. Sempre carrego um livro na bolsa. Se eu viajo, levo dois, três livros na esperança de terminar um e começar outro”, explica.
No trabalho, ela está tentando diminuir o ritmo. No início de maio, Bruna foi internada em um hospital de São Paulo. Na época, disse ser ter sofrido uma recaída de uma virose estomacal. Questionada pela reportagem, ela diz que foi “cansaço”. “Não tinha infecção, não tinha nada. Estava em uma maratona que venho há tempos, sem conseguir parar. Acumulei palestras, viagens e o lançamento do livro. O corpo falou: vamos dar uma pausa?”, explica.
Bruna escritora
Quem conhece Bruna pelos trabalhos na televisão e no cinema talvez não conheça com afinco seu trabalho como escritora. Ela diz que sempre se dividiu em várias versões de si mesma, mas duas prevalecem: a Bruna modelo e atriz – “que é exposta, é capa, está na televisão, tira foto, aparece, é solar” – e a Bruna leitora e escritora – “quieta, recolhida, caseira, que trabalha, lê, é disciplinada, silenciosa, precisa de concentração”.
O amor pelos livros veio da mãe, que lia obras dos Irmãos Grimm e até Oscar Wilde para ela (edições que permanecem guardadas com carinho em outros cantos da casa). Foi quase natural que ela, em algum momento, começasse a sua própria produção literária. “A literatura simplesmente é o que me segura. A literatura é a minha raiz. É onde eu comecei. É o que me sustenta. É a coisa mais próxima, mais íntima de mim, que eu tenho”, diz.
Bruna começou na poesia. Conseguiu vender seus primeiros trabalhos para uma revista americana: “Ganhei pela primeira vez um cheque de 400 dólares em troca de dois poemas. E aquilo para mim era uma fortuna”. Depois, reuniu uma coletânea que se tornaria seu primeiro livro, No Ritmo Dessa Festa, de 1976. “Eu era modelo. Fazia capas de revista, mas eu não era conhecida além daquele nicho. E não era conhecida pelo público, era uma imagem”, lembra ela.
Na época, um amigo da então aspirante a escritora mostrou os poemas para um artista que já era unanimidade nacional: Chico Buarque. “Eu era muito fã dele. De repente, esse meu amigo me liga e diz assim que o prefácio do meu livro seria escrito pelo Chico. Foi um choque enorme para mim. Ele não me conhecia. Talvez só conhecesse as minhas imagens”, conta Bruna.
O novo livro de Bruna Lombardi
Em abril deste ano, Bruna lançou, pela editora Sextante, uma coletânea de 88 crônicas intitulada Manual Para Corações Machucados, com reflexões sobre tudo aquilo que nos machuca. “Vivemos em uma sociedade com tantas pressões, tanta loucura, tanta distorção, tanta distopia, que tudo nos machuca. Se você tem um pouco de sensibilidade, você vai se machucar um pouco”, diz ela. (Com informações do Estadão)