Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 7 de agosto de 2022
Uma semana antes do ataque racista sofrido pelos filhos de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso em Portugal, uma brasileira se viu no centro de um pequeno escândalo de tintas xenofóbicas na Espanha. Expulsa de um clube de luxo de Madri por fazer topless enquanto acompanhava um empresário, teve sua nacionalidade associada à prostituição de maneira depreciativa em programas de TV e fóruns de notícias sensacionalistas, recebeu “mais de 400” ameaças e insultos por WhatsApp num só dia, segundo seus advogados, e viu como o vídeo em que era agarrada e retirada por funcionários ganhava as redes, expondo sua identidade.
Foi um caso midiático e, nesse sentido, excepcional. Mas, como repetem brasileiros que vivem na Espanha e também na França, situações de racismo e xenofobia, maiores ou menores, são o pão de cada dia.
“Quando qualquer homem conversa comigo aqui em Madri, me trata com deferência até o momento em que descobre que sou brasileira. Sabe o cara sensível, educado, zero machista? Desaparece. Eles começam a encostar, falar mais perto, tentar abraçar. E tenho 50 anos! Imagina o que não passa uma mulher mais jovem, uma recém-chegada…”, comentou Cassiana Caparelli Vieira, produtora de audiovisual mato-grossense há sete anos na Espanha.
Casada com um cubano — branco como ela —, já teve que se mudar várias vezes por trabalho. Na hora de alugar apartamento, é quase sempre lembrada sobre sua condição de imigrante: “Quando marco a visita, usando meu nome e sobrenome italiano, tudo é simpatia. Ao descobrirem que sou brasileira, mudam. Mesmo com a documentação certinha, várias vezes acabamos preteridos. Na última vez, cheguei a chorar, pressionei o corretor, e ele abriu o jogo. Disse que o “problema” é que somos latinos. Isso aqui é sinônimo de conflito.
Um administrador carioca que pediu para não ter seu nome publicado contou história semelhante. Negro, ele é casado com uma espanhola, tem contrato de trabalho de duração indefinida — mais alta posição no ranking de segurança trabalhista na Espanha —, ganha bem, mas foi discriminado ao alugar um apartamento ano passado em Madri.
“Cheguei a assinar o contrato de aluguel, mas a proprietária veio com um pedido posterior de mais dinheiro como depósito de “garantia”. Segundo o corretor, a razão era eu ser latino e recém-chegado”, lembrou. “Sou brasileiro, não falo a língua nativa e ainda sou negro. Claro que é uma mescla de racismo e xenofobia. Me sinto impotente.”
Uma pesquisa do Conselho Para a Eliminação da Discriminação Racial ou Étnica (Cedre), ligado ao Ministério da Igualdade, revelou que, em 2020, 31% das pessoas de origem étnica ou racial não europeia sentiram discriminação na hora de alugar ou até comprar imóveis na Espanha. A 17,7% delas, os corretores nem mesmo quiseram mostrar a casa ou apartamento, e 20,1% disseram que condições extras lhes foram impostas.
Ao procurar emprego, a situação se repete. Como coordenadora do Femigrantes, grupo que reúne mulheres expatriadas de várias cidades da França, a carioca Lilian Moreira acumula histórias de brasileiras e brasileiros vítimas de discriminação trabalhista por lá: “Conheço vários que não eram chamados para entrevistas de trabalho ao usar seu sobrenome brasileiro. Mesmo com alto nível acadêmico, com bom currículo. Quando alguns tentaram botar um nome francês, a chave virou, começaram a ser procurados, superaram o primeiro filtro xenófobo”.
Lilian produz um podcast, Femigrantes BR, com depoimentos e informação para desmitificar a vida na Europa, sempre com a participação de especialistas. Recentemente, ao falar ao telefone com uma futura entrevistada na porta de uma escola, foi abordada por uma funcionária, que dizia ter uma proposta para ela.