Sábado, 23 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 6 de abril de 2021
Uma das carreiras mais cobiçadas do país, a magistratura, parece estar perdendo seus encantos. A começar pela exposição negativa turbinada a golpes de lavajatismo – em que se tenta colocar todos os juízes sob suspeita, em especial quem enfrenta o populismo desenfreado que tomou conta do país.
Não se dispõe de números precisos, mas o aumento de responsabilidades, com carga de trabalho maior, pressão por metas e a perda do poder aquisitivo estão ejetando das varas e tribunais, antecipadamente, alguns de seus melhores quadros.
Abandonar a carreira antes da “expulsória” tem seu preço. Desistir implica reduzir significativamente a remuneração. Abdica-se do 1/3 de férias, da gratificação pelo acúmulo, auxílio alimentação, além de passar a pagar previdência, a que não estavam sujeitos na ativa, pelo direito ao abono permanência.
O principal baque deu-se com o surpreendente anúncio, há cerca de um mês, da saída prematura do ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça. Aos 57 anos, abriu mão de 18 anos no mais importante tribunal brasileiro, em matéria legal. Foi inesperado, mas não um movimento isolado.
Na semana passada, o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, de São Paulo, também anunciou a exoneração e sua volta para a advocacia. Com poucos dias de diferença, fez o mesmo o desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Abel Gomes, aos 62 anos.
Na 3ª Região, abdicaram da carreira Fábio Prieto, que presidiu o TRF, aos 59 anos; Cecília Marcondes; e Tânia Marangani. Há mais tempo, Cecília Mello. Na 4ª Região, antecipou a aposentadoria Jorge Maurique (que também presidiu a Ajufe). Ainda, na 1ª Região, exonerou-se o juiz Alexandre Vidigal.
Em janeiro, a desembargadora Nizete Lobato se despediu do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) aos 66 anos, quase uma década antes da aposentadoria compulsória.
Em 1º de abril, foi a vez do desembargador Ronei Danielli, de Santa Catarina, depois de dez anos dedicados ao Tribunal de Justiça. Ele dedicará seu tempo à família e a outros projetos profissionais e sociais.
Maior tribunal do país, o TJ-SP tem desempenho sintomático no quesito aposentadoria precoce de desembargadores. De 2020 para cá, deixaram a carreira Roberto Galvão de França Carvalho (71 anos), Gilberto Gomes de Macedo Leme (67 anos), José Roberto Furquim Cabella (67 anos), Renato de Salles Abreu Filho (66 anos), Eros Piceli (71 anos) e o ex-presidente Manoel de Queiroz Pereira Calças (70 anos) e Denise Retamero, depois de longa jornada na primeira instância e quatro anos no tribunal.
Juízes consultados pela ConJur apontam que cada um deles manifestou razões pessoais para deixar a carreira. Mas reconhecem que, em alguma extensão, a magistratura deixou de ser atrativa: tem sido atacada pela opinião pública, sofre com o que definem como “achatamento salarial”, foi alvo da Reforma da Previdência de 2019 e está à mercê da Lei contra o Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019).
A avaliação de magistrados é que, quando se ataca o Judiciário, isso acaba se refletindo na imagem da carreira. As ofensas mais proeminentes são direcionadas aos membros das cortes superiores. Não à toa, há inquéritos em tramitação no Supremo Tribunal Federal e no STJ para investigar tentativas de emparedamento por pessoas que buscam notoriedade, como procuradores do Ministério Público Federal – este, suspenso por ordem da ministra Rosa Weber.
Segundo um magistrado, colegas que trabalham de forma séria, responsável, embora quase anônimos, acabam, também, sendo vítimas desse processo de desconstrução.
Um dos motivos para o desagrado tramitou no Congresso durante todo esse período de espetacularização e foi sancionado em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro: a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), apoiada pela advocacia, mas amplamente questionada no STF pelas mais variadas entidades. Ela gerou reação imediata no Judiciário. Entre as punições previstas estão a obrigação de indenizar, inabilitação para exercício de cargo público por até cinco anos e perda do cargo.
“O que mais desestimula o magistrado é que o ato de julgar tem sido criminalizado, como no caso da lei de abuso de autoridade, com tipos penais abertos e crime de hermenêutica. A autorização de lockdown ou a negativa judicial, por exemplo, colocam o magistrado na condição de investigado administrativamente. Sem contar que a carreira, estabelecida na Constituição da República, como proteção da sociedade, tem sido decotada por inúmeros textos legislativos. Lutamos para que o poder judiciário continue a ser a última porta do cidadão. E que possa atuar de forma independente, sem pressões”, afirma Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. As informações são da Revista Consultor Jurídico.