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Uma empresa gaúcha foi condenada a indenizar o filho de um homem que morreu atropelado em estrada após ser expulso de ônibus

Incidente aconteceu na rodovia federal BR-158, em maio de 2003. (Foto: EBC)

A Justiça gaúcha determinou que uma empresa de transporte coletivo indenize em 25 salários-mínimos, por danos morais e materiais, um adolescente cujo pai morreu atropelado em uma rodovia após ser expulso de ônibus onde estava embriagado. O autor do processo, que na época ainda estava na barriga da mãe e hoje tem 17 anos, também receberá pensão mensal até completar 25 anos.

Assinada pela 12ª Câmara Cível do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul, a decisão – após vitória de empresa em primeira instância – considerou que a morte de um homem cujo filho ainda está em gestação não livra o causador do óbito do dever da compensação pela perda. Isso porque os direitos do indivíduo começam no momento da concepção, conforme prevê o Código Civil.

O caso ocorreu na tarde de 23 de maio de 2003, quando João Pedro de Mello embarcou em um ônibus intermunicipal na cidade gaúcha de Santana do Livramento (Fronteira-Oeste), rumo à área rural de Rosário do Sul, onde vivia. Segundo testemunhas, o passageiro estava embriagado, falava alto e chorava intensamente.

Ele recebeu então um soco do motorista do veículo e foi deixado em uma parada no acostamento da rodovia federal BR-158. Horas depois, quando vagava aparentemente desorientado pela estrada, acabou morrendo atropelado por um caminhão. A sua esposa estava grávida de um menino, que nasceria em dezembro daquele ano e teve a paternidade reconhecida em 2009.

Em março de 2011, um representante legal do garoto ajuizou na 1ª Vara Cível de Cruz Alta (Região Nortoeste) uma ação indenizatória por responsabilidade civil contra a empresa de transporte.

As alegações  ressaltavam que o pai havia adquirido a passagem dentro da rodoviária e, mesmo bêbado ou causando tumulto, tinha o direito de ser transportado até o seu destino, com a sua integridade garantida, com base no artigo 734 do Código Civil:

‘O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade’’.

Também defendeu que o condutor do ônibus sabia que o passageiro não tinha dinheiro e, mesmo assim, optaram por abandoná-lo em local ermo e perigoso, sob riscos consideráveis. Ou seja: a expulsão do indivíduo em tal circunstância desencadeou uma sequência de fatos que resultaram no fim trágico.

No processo, o autor pedia a responsabilização da empresa, com pagamento de danos morais, custeio de despesas com tratamento psicológico e pensão vitalícia.

A empresa contra-argumentou que o óbito do homem teve como motivo exclusivamente a embriaguez do passageiro. Disse, ainda, que a vítima havia embarcado no ônibus “de carona” e “por cortesia”, sem adquirir passagem, e que só não levou o homem até o destino solicitado porque ele passou a se comportar de forma ofensiva aos demais passageiros.

Em primeira instância, no dia 4 de outubro de 2018 uma juíza considerou improcedente a ação indenizatória, ao entender que não houvera falha na prestação do serviço (o homem não havia comprado bilhete) e que o atropelamento ocorreu seis horas após o passageiro ser expulso do ônibus, o que afastaria a responsabilidade civil da transportadora.

Responsabilidade

Relator do recurso apresentado contra a negativa de indenização, desembargador Umberto Sudbrack ponderou que o pagamento ou não do tícket não livra a empresa da responsabilidade de levar o passageiro até Rosário do Sul. “Se a empresa o aceitou como passageiro, atraiu para si a responsabilidade por sua integridade”, frisou o magistrado.

“Em função da embriaguez, o passageiro deveria ter sido deixado em lugar seguro, como estação rodoviária ou delegacia de Polícia, e não em uma parada de ônibus no meio da estrada”, sublinhou. “A conduta do motorista caracterizou abuso de direito, conforme artigo 188 do Código Civil. As rubricas indenizatórias devem ser reduzidas proporcionalmente à gravidade da culpa da vítima, que considero em 70%.”

Pela decisão, que contou com a maioria dos votos da 12ª Câmara Cível do TJ-RS, o filho ganhará indenização por danos morais em valor equivalente a 25 salários-mínimos, além de 30% das despesas com tratamento psicológico e uma pensão mensal no valor de 1/5 de salário-mínimo até completar 25 anos de idade, em 2028.

(Marcello Campos)

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