Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 11 de janeiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Defensor das monarquias absolutistas, o filósofo inglês Thomas Hobbes, afirmava que, sem um Estado que imponha leis, o ser humano se torna o maior inimigo de si mesmo e vive numa “guerra de todos contra todos”. No caso das modernas democracias, o Estado são as instituições que, diferente de uma monarquia, fazem o papel do monarca, mas com limitações que os deixam muito longe de um Rei Sol, por exemplo. Esse quadro de maior complexidade na tecitura democrática, cobra-lhe proporcional preço em constantes atenção e zelo. Não por acaso, a aparente consolidação das conquistas civilizatórias das sociedades capitalistas ocidentais está permanentemente em xeque, mas poucas vezes como nesse tempo que experimentamos hoje. Os pressupostos do jogo democrático, como liberdade de imprensa, livre associação e manifestação, império das leis e independência do judiciário, adoção e respeito aos direitos civis, políticos e sociais são alvo de um assédio permanente e crescente de grupos extremistas, cuja emblemática saudação à moda fascista, ocorrida em Roma, na semana que passou, revela a gravidade dos movimentos de apologia ao extremismo histórico. Apesar de existir uma espécie de fio condutor que assemelha os diversos movimentos de apelos totalitários pelo mundo, fatores circunstanciais também compõem a estrutura do atual fenômeno, que tanto desassossego tem trazido às democracias do planeta.
O Brasil, que relembrou em cerimônia realizada em Brasília, no último dia 08.01, a agressão aos Três Poderes, ocorrida há um ano, não apenas está sujeito às mesmas forças que corroem a arquitetura de muitas democracias, mas acrescenta algumas cores singulares, o que reforça a importância de criar um marco histórico definidor contra a incivilidade, a brutalidade e a violência que marcaram aquela trágica tarde de ataque ao coração da democracia brasileira. Se, de fato, a depredação insultuosa e selvagem às instituições serviu para alguma coisa, que tenha sido para fortalecê-las, já que resistiram, não sem a ação dos poderes constituídos, ao furor da sempre alerta besta totalitária.
Também aqui importa não apenas demarcar no tempo a barbárie que houve e que a todos abismou. Sabemos que relembrar os fatos sem compreendê-los pode ser o caminho mais simples, mas não o melhor. É preciso que saibamos quais foram as forças que movimentaram o motor da insurreição, cevada, como fartamente evidenciado, não num impulso extraordinariamente espontâneo em determinada data, mas em reiterados e coordenados ataques aos pilares da democracia ao longo de vários anos, na tentativa de miná-los e, simultaneamente, instigar incautos a aderirem a uma aventura que poderia jogar o País no desconhecido, mesmo não havendo condições objetivas para tanto, o que tornou a empreitada ainda mais inconsequente.
Contudo, é preciso construir pontes para o futuro. A democracia deve ser obra diária e objeto de zelo permanente. A certeza da não impunidade pode ser um óbice importante para pendores golpistas, mas somente a maior consciência cidadã é que nos levará a uma perene paz social. Mais do que tijolos, obras de arte e outros ornamentos, a depredação aos Três Poderes abriu uma enorme fenda na alma nacional, cuja cura não pode e não deve ser a contemplação, a omissão e a postergação da responsabilização dos autores, financiadores e mentores de tamanho crime. O passado que hoje se lamenta não deve se nutrir da impunidade para ressurgir amanhã, ainda mais virulento e ressentido. Nessa perspectiva, paz e união não devem também ser conquistados em troca de leniência, omissão e esquecimento do que houve. Se a combinação implausível de ódio, intolerância e religiosidade levou pessoas comuns serem tomadas por fúria e rancor, com o bem e o mal formando um amálgama destrutivo, é necessário que novos acordos e espaços dialógicos sejam construídos, tal como em um choque de civilidade, uma maior união e entendimento, com denominadores comuns unificadores, não mais postulando monopólios de patriotismo ou da verdade, mas na comunhão de interesses e sob uma única bandeira.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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