A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou recurso contra uma decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de rejeitar um projeto excluindo a vacina contra a Covid-19 para crianças do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com isso, ele volta a tramitar. O Parlamento não deve decidir sobre a obrigatoriedade de vacinas. Deputados e senadores têm direito de legislar sobre qualquer assunto. Mas, mesmo numa democracia, representantes eleitos não devem interferir em decisões de cunho técnico, tomadas por autoridades sanitárias com base em dados epidemiológicos. A verdade científica não depende de opiniões. Há consenso sobre a segurança e eficácia da vacinação infantil contra Covid-19. Ela protege as crianças e a população, logo deve ser seguida a recomendação técnica, como manda a Constituição.
O coronavírus continua circulando. Só em 2024, a Covid-19 já matou mais de 3.800 brasileiros. Para ter uma ideia do que isso representa, a epidemia de dengue, que neste ano bateu todos os recordes, matou até agora em torno de 3.300. Com a população adulta imunizada, as crianças se tornaram a parte vulnerável da sociedade. Daí a importância da aplicação das doses. Apesar dos baixos índices de cobertura, houve redução no número de mortes de crianças e adolescentes após o início da vacinação contra Covid-19.
Os políticos deveriam, em vez de se preocupar com isso, cobrar do Executivo maior eficiência na logística de vacinação contra a Covid-19, que tem sido falha. Enquanto cidades como São Paulo e Rio já oferecem em seus postos vacina contra a variante mais recente do vírus, ao menos quatro capitais (Manaus, Teresina, Cuiabá e Salvador) não receberam novas doses.
A vacinação tem sido feita de forma descoordenada. Cada município segue seu próprio calendário. Não há sintonia também na definição do público-alvo. Em São Paulo e noutras capitais, são elegíveis cidadãos acima de 60 anos e grupos como quilombolas ou profissionais de saúde. No Rio, a campanha começou com foco nos adultos com mais de 85 anos. Antes, havia coerência.
Falhas no abastecimento têm sido recorrentes. Em abril, o Ministério da Saúde esperou a vacina acabar para comprar nova remessa. Estoques nos postos zeraram. Na época, o governo alegou que o atraso se devia a mudanças na licitação das vacinas. Apenas no fim de abril foram comprados 12,5 milhões de doses, quantidade insuficiente para o público-alvo. O governo terá de fazer novas encomendas.
É verdade que a Covid-19 está sob controle. Mas por um único motivo: a vacinação. Apesar das campanhas negacionistas e dos percalços de logística, no ano passado foram aplicados mais de 516 milhões de doses, garantindo uma cobertura de 80%. Mesmo assim, ainda não se atingiu a meta de 90%. O Ministério da Saúde acerta ao fazer campanha sobre a importância da vacinação. Mas, para que a população se vacine, é preciso que as doses estejam disponíveis, e nisso o governo tem falhado. Essa deveria ser a preocupação. (Opinião/O Globo)