Sexta-feira, 07 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 2 de maio de 2016
Uma vacina feita a partir do sangue paterno e prescrita por médicos em casos de abortos recorrentes por fatores imunológicos foi vetada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por falta de evidência da eficácia e da segurança. O tratamento é ofertado há mais de 20 anos em clínicas de ginecologia de nove Estados e custa cerca de 3 mil reais. Segundo o órgão, a imunização só pode ser usada em projetos de pesquisa aprovados por comitês de ética. Utilizá-la como tratamento clínico, agora, constitui “infração sanitária”, que pode render multas e até fechamento da clínica.
O diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, diz que a agência recebeu questionamentos de secretarias da saúde sobre o tratamento. Ao ser consultado, o CFM (Conselho Federal de Medicina) não recomendou o uso da vacina por falta de embasamento científico. “Como não é considerada terapêutica, a única maneira de usá-la é em pesquisa, obedecendo aos trâmites normativos.” Barbosa observa que o tratamento envolve riscos sanitários. “Você expõe a pessoa ao mesmo risco de uma transfusão sanguínea [transmissão de doença infecciosa].”
Defesa do método.
O caso criou um embate no meio médico. De um lado, profissionais que adotam a vacina amparam-se em várias pesquisas favoráveis a ela. O ginecologista Ricardo Barini, um dos pioneiros no uso da técnica no País, aponta que há trabalhos extensos demonstrando sua eficácia e ausência de riscos, desde que sejam tomados os cuidados necessários, como exame prévio. “Nossa observação durante mais de 20 anos é de ‘zero’ problema.”
Pacientes que atribuem o sucesso da gravidez às vacinas se aliaram aos médicos defensores dela e organizaram um abaixo-assinado contra a decisão da Anvisa. “Em dez anos, tive seis abortos. Levava a gravidez, no máximo, até a 17ª semana. Cada perda era um sofrimento sem fim. Graças às vacinas, tive minhas maiores riquezas”, diz a enfermeira Elba Ferrúcio, 40 anos, mãe de Victoria, 4, e Lucca, 2. Ela tomou as vacinas antes e durante as gestações.
A médica Christiane Moraes, 40, tem história parecida. Sofreu três abortos antes de fazer o tratamento e engravidar de Enrico. O menino nasce no próximo mês. “Não tenho dúvida de que a gravidez foi bem sucedida por conta das vacinas. A proibição é absurda.”
Já o CFM e sociedades médicas defendem, também baseados em estudos, que não há evidência de que o tratamento imunológico reduza o risco de abortos recorrentes – perdas de três ou mais gestações até a 20ª semana.
O tratamento se baseia no princípio de que muitos abortos ocorrem porque o organismo da mulher interpreta a gravidez como uma doença. Com a imunização, feita com linfócitos (glóbulos brancos) paternos, o corpo da mulher passaria a produzir anticorpos que identificassem as proteínas paternas no embrião, sem mais rejeitá-lo.
Validade questionada.
Para o médico Edson Borges, do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, não existe um mecanismo fisiopatológico envolvido nesses casos de aborto que justifique o uso da imunização. “Nós sempre questionamos a validade e mesmo a segurança dessas vacinas. Não há evidência séria que justifique o uso”, aponta Mario Cavagna Neto, presidente da SBRH (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana). (Folhapress)