Com um valor recorde em emendas parlamentares nas mãos do Congresso nos últimos anos, prefeitos têm recorrido a consultorias privadas abertas por assessores ou ex-assessores de deputados e de senadores em busca de liberação de recursos. Levantamento realizado com base nos portais de transparência e dos tribunais de contas estaduais identificou dez empresas do tipo, contratadas por 210 municípios diferentes.
Os negócios renderam a essas firmas um faturamento de pelo menos R$ 17,5 milhões desde 2019. O mercado, contudo, pode ser ainda maior, uma vez que nem todos os acordos são incluídos nos sistemas de fiscalização. O serviço oferecido funciona como o de um corretor, intermediando a negociação do gestor municipal com o congressista. Na prática, a prefeitura paga a funcionários de gabinetes da Câmara dos Deputados e do Senado para ajudá-los a receber verbas públicas sob responsabilidade de seus chefes. Procuradas, as duas Casas legislativas informaram que a conduta é vedada por lei e pode resultar em punições.
A empresa de um funcionário com cargo em gabinete de Brasília tem contratos com dez municípios baianos. Até julho, Fábio Gonçalves Campos era assessor do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), com quem disse trabalhar desde 2011. Enquanto batia ponto na Câmara, também recebia dos municípios que o contratavam para ajudar a encontrar as chaves dos cofres de Brasília.
Da prefeitura de Andorinha (BA), cidade de 15 mil habitantes a 426 quilômetros de Salvador, a empresa ganhou R$ 17 mil em um contrato assinado em junho de 2019. Em dezembro do mesmo ano e em abril de 2020, o município recebeu emendas de Bacelar totalizando R$ 586 mil. Já a administração de Gandú (BA), a 296 quilômetros de Salvador, assinou um contrato de R$ 10 mil com a consultoria em abril de 2020. Um mês depois, Bacelar enviou R$ 420 mil para o município via emenda “Pix”.
“Não é porque o recurso era do deputado João Bacelar que a empresa não poderia fazer o trabalho para o qual ela foi contratada. A captação de recursos é uma prerrogativa dos gestores. A atividade da empresa era estar vigilante em todos os programas que o executivo federal apresentava aos municípios e apresentar os pleitos”, afirmou Campos.
Segundo a Câmara, porém, servidores dos gabinetes são proibidos de gerenciar ou administrar empresas enquanto estão no exercício da função. “Além disso, os servidores não devem desempenhar atividades privadas que ensejem conflito de interesse com seu cargo público. A infringência a essas vedações deve ser aferida por meio de processo administrativo”, disse a Casa, em nota.
Já o Senado informou que os serviços prestados por assessores podem configurar infração caso eles se valham do cargo público para obter vantagem. “Entretanto, o enquadramento de qualquer situação nesses dispositivos somente ocorreria após a análise de casos concretos”, afirmou.
O advogado Marçal Justen Filho, especialista em direito administrativo, acrescenta que a Constituição proíbe qualquer agente público de atuar em situação que represente conflito de interesses. Segundo ele, falhas no mecanismo de liberação de emendas contribuem para a situação.
“Se os recursos fossem liberados segundo critérios objetivos, nem se cogitaria a intervenção individual de algum assessor (ou parlamentar)”, disse. As informações são do portal de notícias O Globo.