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Veja como o Mossad, serviço secreto de Israel, se infiltrou no Hezbollah e executou a explosão de pagers e walkie-talkies

Câmeras de segurança registraram algumas das explosões de pagers. (Foto: Reprodução)

Na apresentação inicial de vendas ao Hezbollah, há dois anos, a nova linha de pagers Apollo parecia precisamente adequada às necessidades de um grupo de milícias com uma ampla rede de combatentes e uma reputação de paranoia conquistada a duras penas.

O pager AR924 era um pouco volumoso, mas robusto, construído para sobreviver às condições do campo de batalha. Ele apresentava um design taiwanês à prova d’água e uma bateria superdimensionada que podia funcionar por meses sem ser carregada. O melhor de tudo é que não havia risco de que os pagers pudessem ser rastreados pelo serviço de inteligência de Israel, o Mossad. Os líderes do Hezbollah ficaram tão impressionados que compraram 5.000 deles e começaram a distribuí-los para combatentes de nível médio e pessoal de apoio em fevereiro.

Nenhum dos usuários suspeitou que estava usando uma bomba israelense engenhosamente criada. E mesmo depois que milhares de dispositivos explodiram no Líbano e na Síria, poucos perceberam o recurso mais sinistro dos pagers: um procedimento de descriptografia em duas etapas que assegurava que a maioria dos usuários estaria segurando o pager com as duas mãos quando ele detonasse.

Cerca de 3.000 oficiais e membros do Hezbollah – a maioria deles do alto escalão – foram mortos ou mutilados, juntamente com um número desconhecido de civis, de acordo com autoridades israelenses, norte-americanas e do Oriente Médio, quando o serviço de inteligência Mossad de Israel acionou os dispositivos remotamente em 17 de setembro.

Como um ato de espionagem, é sem paralelo, uma das penetrações mais bem-sucedidas e inventivas de um inimigo por um serviço de inteligência na história recente. Mas os principais detalhes da operação – inclusive como foi planejada e executada, e a controvérsia que gerou dentro da instituição de segurança de Israel e entre os aliados – só agora estão vindo à tona.

Esse relato, que inclui vários novos detalhes sobre a operação, foi reunido a partir de entrevistas com autoridades de segurança israelenses, árabes e norte-americanas, políticos e diplomatas informados sobre os eventos, além de autoridades libanesas e pessoas próximas ao Hezbollah. Eles falaram sob condição de anonimato para discutir informações confidenciais.

Eles descrevem um plano de anos que se originou na sede do Mossad em Tel Aviv e, por fim, envolveu um elenco de agentes e cúmplices involuntários em vários países. O relato do The Washington Post revela como o ataque não apenas devastou as fileiras de liderança do Hezbollah, mas também encorajou Israel a atacar e matar o principal líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, aumentando o risco de uma guerra mais ampla no Oriente Médio.

A ideia da operação do pager teve origem em 2022, de acordo com as autoridades israelenses, do Oriente Médio e dos EUA familiarizadas com os eventos. Partes do plano começaram a se encaixar mais de um ano antes do ataque do Hamas em 7 de outubro, que colocou a região em um caminho para a guerra. Era uma época de relativa tranquilidade na fronteira norte de Israel com o Líbano, marcada pela guerra.

Entre a meia dúzia de grupos de milícias apoiados pelo Irã com armas apontadas para Israel, o Hezbollah é de longe o mais forte. As autoridades israelenses observaram com crescente ansiedade o grupo libanês acrescentar novas armas a um arsenal já capaz de atingir cidades israelenses com dezenas de milhares de mísseis guiados com precisão.

O Mossad, serviço de inteligência israelense responsável pelo combate a ameaças estrangeiras ao Estado judeu, trabalhou durante anos para penetrar no grupo com monitoramento eletrônico e informantes humanos. Com o tempo, os líderes do Hezbollah aprenderam a se preocupar com a vulnerabilidade do grupo à vigilância e à invasão israelense, temendo que até mesmo celulares comuns pudessem ser transformados em dispositivos de escuta e rastreamento controlados por Israel.

Assim nasceu a ideia de criar uma espécie de cavalo de Troia das comunicações, disseram as autoridades. O Hezbollah estava procurando por redes eletrônicas à prova de hackers para retransmitir mensagens, e o Mossad criou dois estratagemas que levariam o grupo a comprar dispositivos que pareciam perfeitos para o trabalho – equipamentos que o Mossad projetou e montou em Israel.

A primeira parte do plano, walkie-talkies com armadilhas, começou a ser inserida no Líbano pelo Mossad há quase uma década, em 2015. Os rádios bidirecionais móveis continham baterias de grandes dimensões, um explosivo oculto e um sistema de transmissão que dava a Israel acesso total às comunicações do Hezbollah.

Durante nove anos, os israelenses se contentaram em espionar o Hezbollah, disseram as autoridades, reservando a opção de transformar os walkie-talkies em bombas em uma crise futura. Mas então surgiu uma nova oportunidade e um novo produto chamativo: um pequeno pager equipado com um poderoso explosivo. Em uma ironia que não ficaria clara por muitos meses, o Hezbollah acabaria pagando indiretamente aos israelenses pelas pequenas bombas que matariam ou feririam muitos de seus agentes.

Como os líderes do Hezbollah estavam atentos a possíveis sabotagens, os pagers não poderiam ser originários de Israel, dos Estados Unidos ou de qualquer outro aliado israelense. Assim, em 2023, o grupo começou a receber solicitações para a compra em massa de pagers Apollo da marca taiwanesa, uma marca registrada e uma linha de produtos bem reconhecida com distribuição mundial e sem vínculos discerníveis com interesses israelenses ou judaicos. A empresa taiwanesa não tinha conhecimento do plano, disseram as autoridades. As informações são do jornal The Washington Post.

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