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Por Redação O Sul | 29 de abril de 2021
Índices nunca vistos antes de contaminação por covid-19 e cenas de desespero diante do colapso da rede de saúde colocam a Índia como novo foco da atenção global na luta contra o novo coronavírus, provocando uma onda de reações internacionais.
Nas últimas 24 horas até esta quinta-feira (29), a Índia registrou um recorde mundial de novos casos de covid: 380 mil, depois de uma semana inteira registrando mais de 300 mil novos casos por dia.
O país se tornou o quarto do mundo a superar a marca dos 200 mil mortos pela doença (junto com EUA, Brasil e México), mas há indícios de que esses números sejam, na verdade, muito maiores, em um país de 1,3 bilhão de habitantes que não conta com um sistema estruturado de saúde pública.
Apenas em Nova Delhi, uma investigação de uma emissora local identificou mais de mil mortes por covid-19 que não foram registradas, no intervalo de uma semana.
Repetindo o caos visto recentemente no Brasil, hospitais de diversas partes da Índia estão rejeitando pacientes por não terem mais leitos nem suprimento de oxigênio. Lá, até fogueiras estão sendo improvisadas para cremar os mortos.
As consequências do descontrole da pandemia no segundo país mais populoso do mundo vão muito além das fronteiras indianas, com reverberações em todo o planeta – e podem ser particularmente sentidas no Brasil, ainda fragilizado por uma segunda onda de covid-19 que não terminou e pelos índices insuficientes de vacinação.
Veja três desdobramentos diretos e curto prazo da crise indiana:
Disputa global
A situação calamitosa na Índia é apontada como um motivo-chave da pressão sobre o presidente dos EUA, Joe Biden, para finalmente abdicar de um lote de vacinas que vinha sendo cobiçado por vários países, inclusive pelo Brasil.
Na última segunda (26), representantes do governo americano anunciaram que vão doar suas 60 milhões de doses do imunizante Oxford/AstraZeneca que estarão em produção pelos próximos meses (e que ainda não têm autorização para serem aplicadas nos EUA).
A partilha das doses ainda não foi definida, segundo a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki. Mas fontes próximas ao governo indiano ouvidas pela agência Reuters afirmaram que o país está na expectativa de receber a maior parte desse lote.
Tanto o Brasil quanto países como Canadá e México haviam feito pedidos aos EUA, nos últimos meses, para receber essas vacinas, mas não se sabe até o momento se ficarão com alguma parcela delas.
Ao mesmo tempo, o agravamento da situação na Índia pode levar o país asiático a repetir o que fez em março, quando barrou temporariamente parte de sua exportação de vacinas para disponibilizar mais doses para sua população.
Por enquanto, menos de 9% dos indianos foram imunizados com ao menos uma dose.
Mais demanda
Diversos países anunciaram, nos últimos dias, a entrega de suprimentos médicos para ajudar a conter o colapso indiano.
Na terça (27), chegou à Índia um carregamento de itens como cilindros de oxigênio e respiradores enviados pelo Reino Unido.
No final de semana, o governo americano anunciou que também liberaria ajuda aos indianos — desde matéria-prima para a produção de vacinas (que até recentemente estavam sob um veto de exportação imposto pelos EUA, para garantir sua produção interna de vacinas) até medicamentos, equipamentos de proteção pessoal e testes de covid-19.
Mas a ajuda até agora foi classificada como “uma gota no oceano” diante das necessidades da Índia, nas palavras de uma autoridade local de saúde, indicando que continuará subindo a demanda internacional por produtos cuja cadeia de suprimento foi profundamente afetada pela pandemia.
A médica Fátima Marinho, que foi da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde entre 2005 e 2007 e hoje integra a consultoria Vital Strategies, diz que a tragédia em curso na Índia vai, de fato, drenar recursos mundiais. “A Índia tem um parque industrial farmacêutico grande, mas uma população grande demais, em um país que não tem um Sistema Único de Saúde.”
Novas variantes
Assim como aconteceu no Brasil com a variante P.1, apontada como mais infecciosa e potencialmente responsável (junto com uma gama de outros fatores) pelo fato de muito mais pessoas jovens terem adoecido mais rapidamente com quadros graves de covid-19, a Índia está lidando tanto com a variante britânica quanto com uma variante local, chamada B.1617.
E, quanto mais rapidamente o vírus infecta mais gente — como tem acontecido na Índia, com seus recordes em novos casos diários —, maiores são as chances de que ele consiga produzir aleatoriamente novas mutações, cada vez mais perigosas.
Essas potencialmente podem se espalhar com facilidade para outras partes do mundo e tornar menos eficientes os programas globais de vacinação.
“A gente espera (que da Índia venham) muitas variantes. As que forem mais eficientes em transmissão acabam se tornando dominantes. Em populações gigantes como a da Índia e grandes como a do Brasil isso é um risco enorme, porque se você não controla (a transmissão) pode acabar surgindo um vírus novo”, colocando as vacinas atuais em risco, explica Fátima.