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Venezuela é ditadura. Narrativa?

(Foto: Reprodução)

Presidentes sul-americanos se reuniram em Brasília na terça-feira. Entre eles, Nicolás Maduro. Recebido com pompa e circunstância, o ditador venezuelano teve tratamento especial. Lula, no discurso, disse que se construiu uma narrativa contra o país vizinho e cabe a Maduro construir a própria narrativa em resposta ao que circula mundo afora.

A afirmação repercutiu em Europa, França e Bahia. Jornais, rádios, tevês e internet divulgaram a “narrativa do Lula”. A razão: o petista, ao apelar para o modismo, ignorou a realidade. Fez vista grossa para os fatos. O presidente uruguaio e o chileno manifestaram a indignação.

Enunciados

Existem declarações e declarações. Umas são comunicados. Apresentam fatos. Outras, inferências. Expõem deduções. Algumas, julgamentos. Emitem opinião. As três falam. Mas só uma diz. Identificá-las ajuda a separar o joio do trigo.

Comunicados

Os fatos independem de gosto, opinião ou fé. Como são verificáveis, convencem. Provam. “Contra os fatos”, diz a sabedoria popular, “não há argumentos”. É fato afirmar que o Congresso aprovou a Medida Provisória de Reestruturação da Esplanada. Duvida? O tira-teima está ao alcance da mão. Pegue o jornal de sexta ou acesse a internet. Está lá.

É fato dizer que o artigo 128 do Código Penal prevê o aborto legal. Será? Pegue o livro na estante e verifique. É fato dizer que Brasília tem 3 milhões de habitantes. As estatísticas do IBGE não nos deixam mentir. É fato dizer que, em agosto de 2022, cerca de 6,8 milhões de refugiados venezuelanos haviam deixado o país. A Agência de Refugiados da ONU fornece os dados.

Inferências

Inferências e julgamentos jogam em outro time. Falam de nós, de nossos preconceitos, experiências e prevenções. Jogam o foco no sujeito, não no objeto. Inferir é tirar conclusões com base em indícios.

Vai um exemplo: Maria está esperando nenê. Diz que a gravidez veio em hora errada. Aí minha cabecinha começa a funcionar. Deduzo que ela vai optar pelo aborto. Posso ter acertado. Mas posso também ter errado. Minha conclusão é possível, talvez provável. Mas não certa.

Julgamentos

Os julgamentos vão além. Exprimem opinião pessoal e, claro, abusam de adjetivos. Feio, bonito, pecaminoso, elegante, malfeito, interesseiro — falam de como vemos as pessoas e as coisas.

A língua, generosa, tem expressões que traduzem a subjetividade dos julgamentos: Quem ao feio ama bonito lhe parece. Cada cabeça, uma sentença. Para quem ama urubu é branco. Que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho? Gosto não se discute.

Exemplo

O Senado deve sabatinar o indicado para ocupar a vaga no Supremo Tribunal Federal. O critério: idoneidade moral e reputação ilibada. Reparou? O critério é julgamento. Pode ter várias interpretações.

Uma: o candidato não pode gastar horas à mesa de bar tomando chopinhos. Outra: não pode ter multa no Detran. Mais uma: não pode ser ateu. Mais outra: não pode ter queixa-crime ajuizada contra ele. Outra ainda: não pode ser condenado em primeira instância.

Há, ainda, os que invocam o princípio de que a pessoa só pode ser declarada culpada depois de sentença definitiva. Em suma: o Brasil tem 215 milhões de cidadãos. Pode ter igual número de opiniões.

De volta à narrativa

Maduro governa a Venezuela por decreto desde 2013. Controla o Judiciário. Censura a imprensa. Frauda as eleições. Persegue, tortura e mata cidadãos. São fatos, não narrativa. Narrativa é versão, inferência. Trata-se de modismo. “Acham que falando narrativa em vez de versão fica mais chique. Fica é mais brega”, diz Paulo José Cunha.

Leitor pergunta

Agente e a gente. Qual a diferença? — Maria Souza, Rio.

Agente é o ser que executa uma ação (agente penitenciário, agente da passiva, agente 007). A gente significa nós, mas exige o verbo na 3ª pessoa do singular: A gente foi ao cinema.

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