Domingo, 09 de março de 2025
Por Redação O Sul | 2 de setembro de 2024
Na última sexta-feira, quando vários Estados da Venezuela sofreram um apagão que deixou milhões de pessoas às escuras, nenhum jornalista dentro do território nacional fez o que faria qualquer profissional de um meio de comunicação em um país democrático: entrevistar um engenheiro elétrico para analisar os cortes de energia e a alegação do governo do ditador Nicolás Maduro sobre um suposto ato de sabotagem, sobre o qual não apresentou provas. Dentro da Venezuela, os jornalistas cuidam de cada palavra que usam quando a pauta é política. Em conversas informais, asseguram que vivem numa ditadura, nua e crua.
O cerco aos jornalistas venezuelanos – e também aos profissionais estrangeiros que estão no país – é cada dia maior e asfixiante. Após a eleição presidencial de 28 de julho, os ataques à liberdade de expressão atingiram níveis nunca vistos em 25 anos de chavismo. De acordo com a ONG Foro Penal, 16 jornalistas foram presos quando cobriam atos relacionados ao pleito, principalmente protestos organizados pela oposição para denunciar como fraudulento o anúncio do Conselho Nacional Eleitoral de que Maduro derrotou o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia.
As prisões criaram um clima de pânico generalizado no país, onde o simples ato de sair na rua para cobrir uma manifestação ou fazer uma entrevista é arriscado. A autocensura vem se impondo como nunca antes. Muitos jornalistas deixaram de assinar suas matérias, outros saíram de suas casas por temer serem detidos por forças de segurança do regime. Nos casos mais extremos, trabalhadores do que resta da mídia local pediram demissão e rumaram para o exílio.
“Estamos vivendo o que chamo de uma repressão cirúrgica. Nunca vimos tantos jornalistas presos e também expulsos do país. Nunca vimos um ataque tão feroz à imprensa”, afirma a jornalista Luz Mely Reyes, diretora e cofundadora do portal Efecto Cocuyo, um dos jornais digitais mais lidos pelos venezuelanos dentro (por meio de VPN ou alguma outra ferramenta que permita driblar os bloqueios oficiais) e fora da Venezuela.
Em 2023, aponta relatório da ONG Espaço Público, 28 pessoas foram presas por exercer seu direito à liberdade de expressão. O número representou um aumento de 65% em relação ao ano anterior. No entanto, desse total, apenas duas pessoas eram jornalistas. “Estas detenções são normalmente uma medida de retaliação a mensagens difundidas nas redes sociais ou a críticas ao governo publicadas por meio de aplicativos de mensagens instantâneas. Essa situação mantém o alerta sobre a crescente ameaça à privacidade devido à intervenção nas comunicações pessoais, registrada pela Missão de Apuração de Fatos das Nações Unidas”, diz o relatório.
Este ano, a situação dos jornalistas se deteriorou de maneira expressiva, afirma Carlos Correa, diretor da ONG:
“O agravamento da situação dos jornalistas foi gradual e piorou muito com a chegada de Maduro ao poder. O que estamos vendo hoje é um grau de violência inédito contra a imprensa.”
Entre 2013, ano em que Maduro foi eleito pela primeira vez, e 2022, afirma o Espaço Público, mais de 60 jornais fecharam na Venezuela por motivos econômicos, pressões estatais e falta de papel. No mesmo período, dez canais de TV estrangeiros que tinham correspondentes no país foram expulsos. Entre 2003 e 2022, diz o mesmo relatório da ONG venezuelana, 285 emissoras de rádio fecharam suas portas. Somados todos os dados, chega-se a um dado dramático em termos de liberdade de expressão e democracia: nos primeiros nove anos de Maduro no poder, 71% dos meios de comunicação venezuelanos sumiram do mapa.
Quando amplia-se o período de compilação de dados, a ONG aponta que 440 meios de comunicação foram fechados desde que Hugo Chávez (1999-2013) iniciou sua autoproclamada revolução bolivariana. Os grandes jornais venezuelanos foram comprados por empresários ligados ao chavismo, e os que ainda tentam fazer um jornalismo profissional e independente deixaram de circular em versão papel, reduziram drasticamente suas redações e sofrem uma perseguição diária, que transformou o trabalho jornalístico em algo arriscado. As informações são do jornal O Globo.