Quarta-feira, 16 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 14 de abril de 2025
Para eles, pessoas do sexo masculino devem saber dominá-las e não permitir que sejam “aproveitadoras”.
Foto: Reprodução“Seja membro do canal e ajude essa mensagem a se espalhar.” É com frases semelhantes a essas que canais do YouTube ligados à “machosfera” movimentam milhares de reais com discursos que pregam o controle sobre mulheres, deslegitimam o feminismo e reforçam estereótipos de gênero. O lucro advém de doações em transmissões ao vivo, venda de cursos, e-books, assinaturas e publicidades – monetizações estas que, apesar de crescentes, não têm transparência por parte das plataformas e contribuem para a proliferação dos chamados redpills.
Um dos movimentos masculinistas, o redpill é uma forma machista de pensar e ver o mundo, que deturpa o conceito do filme Matrix para subestimar os direitos das mulheres. Para eles, pessoas do sexo masculino devem saber dominá-las e não permitir que sejam “aproveitadoras”. Os extremistas se organizam pelas redes sociais. Muitos são pagos pelas plataformas por terem engajamento em vídeos, artigos e até livros que ensinam como “desarticular” as “trapaças amorosas” das mulheres.
Nos materiais, elas são descritas como seres de “potencial demoníaco” regidos “pelo egoísmo sentimental”. Também é comum encontrar termos depreciativos para se referir às mulheres e o neologismo desqualificador “merdalher”.
Pesquisa feita pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, iniciativa do NetLab UFRJ em parceria com o Ministério das Mulheres, mapeou a existência de conteúdos misóginos em pelo menos 137 canais brasileiros no YouTube. Os canais somam mais de 105 mil vídeos produzidos e têm, em média, 152 mil inscritos.
Cerca de 80% desses canais adotam pelo menos uma forma de monetização, e as lives tendem a ser mais rentáveis. O estudo apontou que, em 257 transmissões ao vivo de oito canais, foram arrecadados mais de R$ 68 mil – um valor médio de R$ 267 por live. No caso da venda de e-books anunciados, os preços ofertados variam entre R$ 17,90 e R$ 397. Além disso, há cursos comercializados por até R$ 2 mil e consultorias individuais com os influenciadores por valores que chegam a R$ 1 mil.
“Os canais ainda conseguem lucrar com anúncios, mas esses dados não são transparentes, o que impede que seja mensurado um rendimento”, diz Luciane Belin, pesquisadora do NetLab UFRJ. “Em grande parte, os conteúdos vendidos prometem desenvolver a masculinidade. Não existiriam graves problemas nisso, desde que não reproduzisse uma lógica de menosprezo e controle das mulheres.”
Alguns canais dão retorno de rendimento. Um deles, que não teve o nome revelado pela pesquisa, disse ter faturado R$ 150 mil na internet, “trabalhando no conforto de casa, sem gastar um centavo com anúncios”. Ou seja, o lucro teria sido obtido via engajamento orgânico, no qual o algoritmo das redes sugere o produto com maior frequência.
Em um canal analisado pelo jornal O Globo, intitulado Hackeando a Matrix, o autor produz conteúdos misóginos em anonimato – em nenhum dos mais de 1 mil vídeos publicados há exposição de seu rosto, apenas de uma voz masculina. Na descrição do perfil, ele diz que faz reacts e análises sobre “mulheres modernas que parecem perdidas em suas crenças e valores”, e afirma que o intuito dos conteúdos é “abrir os olhos e ouvidos dos homens para a realidade”. Tudo como se fosse uma “conversa entre amigos”.
O perfil conta com 55 mil inscritos e mais de 19 milhões de visualizações. Usando um emoji de pílula, que remete ao movimento redpill, o autor divulga que quem desejar ter acesso a análises exclusivas pode fazer uma assinatura no valor mínimo de R$ 2,99 mensais. O YouTube não informa quantos membros há no canal. No entanto, caso apenas 10% dos inscritos fossem membros, o rendimento arrecadado às custas da aversão a mulheres seria de mais de R$ 16 mil por mês.
O autointitulado “coach de masculinidade” Thiago Schutz, o “Calvo do Campari”, tem mais de 440 mil seguidores no Instagram e 50 mil no YouTube, onde vende mentorias sobre como ter a “autoconfiança inabalável” e um livro que classificou como “a bíblia dos homens mais vendida do Brasil”. Em seu site, afirma ter vendido 20 mil exemplares do e-book, o que lhe teria rendido cerca de R$ 2 milhões.
(Com informações do jornal O Globo)