Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Gelson Santana | 31 de outubro de 2024
Vinicius Jr (foto) e o time Real Madrid não foram na entrega Prêmio Bola de Ouro
Foto: Divulgação/Real MadridEsta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Uma das notícias que pautou o jornalismo mundial ,e na rodinha do papo entre amigos e amigas, foi a ausência do Vinicius Jr e do time Real Madrid na entrega Prêmio Bola de Ouro. Mas, o combustível do debate não passou pela régua do merecimento futebolístico e sim uma provável retaliação por seu ativismo na luta contra o racismo.
E aqui entre nós: não tem como fugir dessa robusta hipótese. Até porque o país que ele atua é conhecido há séculos por, parte da população, ter esse comportamento absurdo. Está na história. As primeiras atitudes racistas surgiram lá no século XV com muçulmanos e judeus.
Seis séculos depois essa cultura continua em campo. A LaLiga (Campeonato Espanhol de Futebol da Espanha) divulgou uma lista com atualização da situação de casos de ataques racistas e de ódio no Campeonato Espanhol. O craque Vinicius sofreu 21 insultos preconceituosos nos últimos anos.
Todos nós sabemos o que milhões de negros, mundo afora, sofrem com atitudes e violência racial. Eu testemunhei inúmeras e vivenciei duas que até hoje minha memória não apagou: o racismo também dentro do sindicalismo.
Eu, na década de 90 estava em uma obra, na zona sul em Porto Alegre fazendo um discurso sobre a importância dos trabalhadores terem consciência da sua união em prol das conquistas salariais. Era uma obra para construção da sede de uma entidade associativa. Eis que no meio da minha fala surge um homem branco gritando:“ o que esse negro sem vergonha está fazendo discurso aqui na obra… sai… sai…”. Os trabalhadores constrangidos saíram e eu fui embora por não ter para quem falar.
Outro triste momento que vivi também, em canteiro. Estava conversando com os trabalhadores e surge um homem branco gritando: “esse negro aqui, tirem esse negro daqui… tirem esse negro aqui do meu canteiro. Naquele momento eu consegui fazer com que parassem todos os trabalhadores. O grito dele não calou os trabalhadores.
Apesar de saber os horrores que nós negros passamos, via minha modesta formação educacional e autodidatismo nesse tema e em alguns outros, conhecimento de vários fatos (são tantos que certamente daria uma edição completa do jornal) entre eles quando a “ciência “entrou em campo no seculo XIX, via médicos e antropólogos usando teses para embasar narrativas raciais como tamanho do crânio, traços físicos para definir “pureza racial”.
Outro emblemático aconteceu em 21 de março de 1960, em Joanesburgo, na África do Sul, quando 20 mil pessoas realizavam um protesto, organizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC), contra a Lei do Passe, que limitava os lugares por onde a população negra podia circular, obrigando-os a portar um cartão que continha os locais onde era permitida a sua circulação.
A manifestação era pacífica e completamente desarmada, mas a polícia sul-africana do regime de segregação racial presente no país desde 1948, o Apartheid, atirou contra os manifestantes, matando 69 pessoas e deixando outras 186 feridas. Ficou conhecido como Massacre de Shaperville, nome do bairro onde tudo aconteceu.
Ter assistido e vivenciado atos racistas não vão deixar de alimentar meu ativismo para combater esse chaga social. Minha crença e atitude é inspirada, diariamente, por outros protagonistas dessa causa no mundo e aqui no Brasil. Entre eles Martin Luther King, Mandela, MalconX, Rosa Parks, Muhammad Ali, Vinicius Jr e as brasileiras Lélia Gonzales, Carolina Jesus e Marielle Franco. Eles estimulam a minha fé que um dia, ainda distante, teremos evoluído e extirpado o vírus do preconceito racial.
Voltando ao não recebimento da Bola de Ouro a minha leitura é que se ele recebesse teria muito mais visibilidade e força para nos ajudar enquanto negros.
Vinicius não te cala. Nós temos um sonho de acreditar na precisa frase do Martin proferida em 1963: “nossos filhos não serão julgados pela cor de suas peles, mas pelo conteúdo do seu caráter”.
*Gelson Santana. Presidente do STICC e Secretário do setor da Construção UGT Brasil.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.