Foi inspirada por Sigourney Weaver no filme “Alien: O 8º Passageiro” (1979) que Viola Davis entrou de cabeça em “G20”, filme de ação do Prime Video disponível na plataforma a partir da próxima quinta-feira (10). Só que, em vez de lutar contra extraterrestres, a vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante de 2017 por “Um limite entre nós”, distribui tiros e rasteiras contra um grupo de mercenários que ameaça a estabilidade de um planeta liderado pelos Estados Unidos.
No longa, ela interpreta ninguém mais ninguém menos que a presidente americana, nada preocupada em impor tarifas aos parceiros comerciais, mas sim em ajudar a acabar com a fome na África. A ex-militar Danielle Sutton é uma das poucas chefes de estado que consegue fugir da ação dos sequestradores durante uma reunião das 20 nações mais poderosas do mundo, mas, ainda presa num hotel onde estão também seus filhos e marido, precisa organizar um plano para liberar os reféns e reestabelecer a ordem.
“Pense no que era essa experiência: ser uma menina no cinema, assistindo a Sigourney Weaver derrotar aqueles alienígenas cujo sangue era ácido”, disse Viola Davis ao jornal O Globo. “Pelo amor de Deus, aquilo cravou em mim de um jeito tão profundo que, até hoje, tantos anos depois, ainda está aqui dentro. Em ‘G20’, vi uma oportunidade de fazer, especialmente para as meninas negras, exatamente o que a Sigourney Weaver fez por mim. E é uma história sobre uma mãe e uma heroína de guerra.”
Nelson Rodrigues
A atriz, de 59 anos, estave no Rio de Janeiro com o marido, o também ator e produtor do filme juntamente com ela, Julius Tennon, e com a diretora, a mexicana Patricia Riggen. Na noite de sexta-feira (4), encararam a chuva para uma exibição do filme no Morro da Urca, onde reuniram famosos como Lázaro Ramos. No palco do evento, Viola se desmanchou em elogios ao Brasil. “Meus fãs brasileiros veem meu coração, minha negritude, minha feminilidade, meu talento. O Brasil parece minha casa”, disse.
No papo com os jornalistas no sábado (5), perguntas sobre política estavam vetadas, embora o filme traga assuntos “quentes”, como, por exemplo, criptomoedas. No enredo, os mercenários que interrompem a cúpula do G20 divulgam vídeo criados a partir de tecnologia deepfakes e espalham boatos que derrubam bolsas no mundo inteiro. Com isso, o dólar se arrebenta e o que valoriza são moedas digitais que, coincidentemente, andam na moda no governo de Donald Trump por impulsionamento do próprio presidente americano. Mas o filme, explica Patricia Riggen, começou a ser produzido muito antes desse cenário se delinear.
“Fui contratada durante a pandemia, mas aí a Viola foi fazer ‘A mulher rei’ (2022)”, disse a diretora. “Nesse meio-tempo, desenvolvi o roteiro, e então começamos o filme. Mas fomos interrompidos pelas greves dos atores e dos roteiristas. Só depois voltamos e terminamos.”
A própria Viola diz que o projeto chegou a sua produtora há exatos sete anos. Há outro em compasso de espera há 12. Ela tenta dar uma ideia, com esses números, do tempo que se gasta para colocar projetos de pé, inclusive as adaptações para o teatro e para o audiovisual de “O beijo no asfalto”, peça escrita por Nelson Rodrigues em 1960. O anúncio desses planos, em parceria com Maurício Mota, um dos netos do dramaturgo, foi feito em 2019, mas só em meados do ano passado foram definidos os nomes de Karim Aïnouz para a direção e de Kirsten Sheridan para o roteiro do filme.
“‘O beijo no asfalto’ está indo, está caminhando”, diz Viola. “As pessoas não entendem quanto tempo leva para desenvolver um projeto, quanto tempo leva para encontrar os parceiros certos que realmente entendem a proposta. O diretor certo, os atores certos, o lugar certo para o projeto. Mas estamos totalmente comprometidos com isso.”
Ela relembra com um sorriso o arrebatamento ao entrar em contato com o universo rodrigueano pela primeira vez e o compara com nomes importantes em sua trajetória.
“Vejo Nelson Rodrigues como o Arthur Miller brasileiro”, disse a atriz, referindo-se ao dramaturgo americano (1915-2005) autor de “A morte de um caixeiro viajante” (1949) e “As bruxas de Salem” (1953). “E Arthur Miller foi o escritor que me fez querer fazer isso (atuar). Vejo vida em Nelson, profundidade da humanidade e das relações. E tenho a mesma reação quando leio August Wilson.”
Wilson (1945-2005) também é outro importante dramaturgo americano, autor de textos como “A voz suprema do blues”, de 1982, e “Um limite entre nós”, de 1985. Ambas as peças viraram filmes estrelados por Viola.
“Coloco Nelson nessa mesma categoria”, diz a atriz, que “só precisa achar o projeto certo” para filmar no Brasil. “Não existe cenário como o Brasil. É um lugar mágico, e não existe pano de fundo como o povo daqui.”