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Colunistas Violações de direitos intelectuais e a necessária proteção legal para criadores

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Kim Kardashian (Foto: Reprodução/Instagram)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Há alguns meses, a empresária e influenciadora Kim Kardashian foi processada pela fundação que representa o famoso arquiteto Donald Judd por ter feito um vídeo no Instagram afirmando que os móveis de sua casa foram projetados por ele. Ocorre que, segundo notícia do New York Times, a empresa que fez os móveis não tem ligação nenhuma com Judd e por isso:

(…)Também citada no processo foi a Clements Design, que, segundo os documentos judiciais, produziu as mesas e cadeiras que se assemelham às projetadas por Judd. A fundação está acusando a empresa de violação de marca registrada e direitos autorais. “Os consumidores provavelmente acreditarão que a Judd Foundation e a marca Donald Judd estão conectadas ou afiliadas, ou de outra forma patrocinadas ou endossadas, a Sra. Kardashian”, disse o processo, aberto no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Central da Califórnia. “A Judd Foundation proíbe categoricamente os clientes de usar móveis Donald Judd adquiridos para fins promocionais e de marketing.” Kardashian se recusou a comentar na quarta-feira, mas a Clements Design divulgou um comunicado dizendo que havia “diferenças importantes óbvias” entre os móveis e que a empresa se sentiu “pega de surpresa” pelo processo, uma vez que houve esforços “feitos para resolver esse problema amigavelmente”. A empresa de design disse que a Fundação Judd “não estava disposta a fazer um acordo em termos razoáveis. Essas afirmações não têm absolutamente nenhum mérito.” [1]

Neste caso, estamos diante de supostas violações aos direitos autorais do arquiteto e associação de marcas. No Brasil, segundo Newton Silveira, o princípio básico do Direito Autoral é a ampla proteção, ou seja, garantia e defesa, dependendo do que o lesado escolher ou precisar. As normas acerca das medidas cíveis e administrativas referentes às violações aos direitos autorais estão na Lei de Direitos Autorais e as penais em seu âmbito pertinente.

Bittar afirma que, dependendo da esfera de violação, haverá também legislação específica, como, por exemplo, nos regulamentos dos meios de comunicação, o que se aplica ao caso de Kardashian. As violações obrigacionais, possessórias e morais são também legisladas pelas normas de Direito Privado, como o Código Civil [2]. Para Bittar, tais normas dão o necessário suporte técnico jurídico para os casos que surgiram ao longo do tempo no Brasil [3].

Se este caso acontecesse no Brasil, estaríamos diante de plágio ou contrafação? Santos conceitua o plágio como “a imitação servil ou fraudulenta de obra alheia” [4], onde o infrator “apresenta como sua a obra alheia”. Barbosa conceitua imitação servil a cópia de criação a qual ocorre sem qualquer investimento intelectual daquele que a copia [5]. Há casos de plágio onde a cópia é integral e outros nos quais existe a tentativa de disfarçar a ilicitude. Para caracterizar o plágio é necessário identificar os elementos originais da criação, a fim de que se possa saber qual o patrimônio atacado [6], o moral, o patrimonial, ou ambos. No plágio, geralmente os elementos pessoais da imaginação do criador são copiados, razão pela qual fere a esfera dos danos morais do autor da obra.

Carlos Bittar conceitua a contrafação como “a publicação ou reprodução abusivas de obra alheia”. Kaway, de forma simples, definiu a contrafação no setor industrial como “toda forma ilegal de reprodução, idêntica ou quase idêntica, de produtos ou sinais protegidos por direitos da propriedade intelectual” [7], diferentemente do plágio, onde a ilicitude reside na usurpação da obra. Na contrafação, há o uso, a adaptação, tradução ou modificação de toda ou parte da obra sem o consentimento do autor.

Bittar explica que, quando a contrafação é identificada, é comum o Poder Judiciário ordenar que as mercadorias usadas indevidamente sejam apreendidas para a coibição da ilicitude. No que tange a ilicitudes oriundas de descumprimento de qualquer obrigação contratual, é possível o próprio autor da obra cometer alguma ilicitude ao descumprir alguma obrigação do contrato, o que depende de análise caso a caso [8].

Quando contrafações ocorrem, a solução é indenizar o lesado pelo dano material, apurável mediante estudo econômico de suas receitas de acordo com o mercado [9]. Bittar elenca as medidas judiciais cabíveis, as quais podem ser interpostas concomitantemente ou separadas, para coibir as ilicitudes relacionadas ao Direito Autoral, da seguinte forma:

a) abstenção de continuação de atos violadores (ou inibição prática de ação violadora); b) apreensão de coisas nascidas do ilícito (retirada de circulação do material); c) reparação de prejuízos de ordem moral e patrimonial (com danos emergentes e lucros cessantes); e d) apenação do agente (com cominações de ordem pecuniária, privativa de liberdade ou mista), conforme dispõe o art. 101 da lei [10].

Na esfera cível, o autor da obra artística e quem mais for um titular reconhecido, como, por exemplo, as associações de titulares ou representantes, podem figurar no polo ativo das medidas judiciais, as quais são reguladas pelo Código de Processo Civil [11].

Para auferir uma ilicitude de plágio ou contrafação, Santos explica o “teste de semelhanças”, o qual é um método de comparação a fim de verificar se há ilicitudes diante do nível de semelhança entre as obras: É usada uma obra “paradigma” e outra “objeto de comparação”. “Os laudos periciais geralmente apresentam um quadro comparativo com a identificação dos elementos semelhantes.” Segundo Santos, o teste “aplica critérios quantitativos (extensão das semelhanças) e qualitativos (importância das semelhanças)”.

Apesar de no Direito Autoral ser mais difícil surgirem criações idênticas, Santos coloca como excludente de ilicitude quando o autor da segunda obra “nunca teve acesso nem foi influenciado pela original”, o que hoje somente é possível argumentar se for uma obra inédita, uma vez os avanços tecnológicos permitirem o acesso à informação e a qualquer obra previamente publicada [12]. Bittar menciona o aumento do avanço tecnológico como facilitador da prática das cópias sem autorização, o que causa um desestímulo econômico para as criações [13].

Nos Estados Unidos, explica Scruggs, de acordo com a Câmara de Comércio Americana, a comercialização de mercadorias oriundas de violações aos Direitos Autorais envolve de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano, e prejudica cerca de 750 mil empregos. No entanto, aumentar a proteção por meio do copyright (os Direitos Autorais americanos), segundo o autor, não fará com que estes números sejam zerados porque as contrafações e imitações envolvem também elementos regulados pelo trademark (comparado à proteção da marca dada pelo Direito de Propriedade Industrial no Brasil), o qual é tutelado [14].

Existe também a possibilidade de a violação ao Direito Autoral configurar concorrência desleal sem a ilicitude enquadrar-se em plágio ou contrafação. É o caso das obras intelectuais estéticas aplicadas na indústria e comércio [15], cujas regras estão na LPI, as quais no âmbito da moda são geralmente aplicadas no vestuário ou cosméticos, como, por exemplo, estampas, joias e perfumes e, neste caso de Kardashian, o design dos móveis de sua casa. Em um comparativo com a legislação brasileira e americana, é possível concluir que se o caso tivesse ocorrido no Brasil, também haveria a possibilidade de haver um processo judicial, baseado nas mesmas premissas e com suporte na legislação e doutrina brasileiras.

Letícia Soster Arrosi, doutoranda em Direito Comercial pela USP, mestre em Direito Privado e especialista em Processo Civil pela UFRGS e advogada atuante em resolução de disputas e pesquisas referentes a consultas e litígios comerciais de Direito Civil, Análise Econômica do Direito e Propriedade Intelectual

Notas:

[1] PEQUENO, Zachary, New York Times, Kim Kardashian é processada por dizer que suas mesas são autênticas Donald Judds, mar. 2024, Disponível em <https://www.nytimes.com/2024/03/27/arts/design/kim-kardashian-table-donald-judd.html> acesso em 23/6/2024.

[2] SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito do autor, software, cultivares, nome empresarial, abuso de patentes. Manole: São Paulo, 2014.

[3] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense 2015.

[4] SANTOS, Manoel J. dos. Série GVlaw: propriedade intelectual: Direito Autoral. São Paulo: Saraiva, 2013.

[5] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 325.

[6] SANTOS, Manoel J. dos. Op.cit. 2013.

[7] KAWAY, Mina. Tá copiando o quê?: As cópias sob a ótica do Direito da Moda. Disponível em: <http://www.fashionlawnotes.com/2012/03/ta-copiando-o-que-as-copias-sob-otica.html.>. Acesso em: 29 ago. 2018.

[8] BITTAR, Carlos Alberto. Op.cit. 2015.

[9] Ibidem.

[10] Ibidem e COPETTI, Michele. Afinidade entre Marcas, uma questão de Direito. São Paulo: Lumen Juris, 2010, p. 145.

[11] Ibidem.

[12] SANTOS, Manoel J. dos. Op.cit. 2013 e também BITELLI, Marcos Alberto Sant’anna, Contratos de Direito de autor, p. 340–361, In: JABUR, Gilberto Haddad; PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge (coord.). Direito dos Contratos. Direito dos contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

[13] BITTAR, Carlos Alberto. Op.cit. 2015.

[14] Ver todos: SCRUGGS, Brandon. Should fashion design be copyrightable? Northwestern Journal of Technology and Intellectual Property, v. 6, 2007. Disponível em: &lt;https://scholarlycommons.law.northwestern.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&amp;httpsredir=1&amp;article=1061&amp;context=njtip&gt;. Acesso em: 27 ago. 2018, FISCHER, Dr. Fridolin. Design Law in the European fashion sector. February, 2008. Disponível em: &lt;http://www.OMPI.int/OMPI_magazine/e n/2008/01/article_00 6.html.&gt;. Acesso em: 25 set. 2017 e KAWAY, Mina. Op.cit. 2012.

[15] BITTAR, Carlos Alberto. Op.cit. 2015.

Letícia Soster Arrosi

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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