Quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 31 de maio de 2024
Quando o Brasil é mencionado ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, seu rosto muda de expressão. O chefe de Estado tem um estilo de comunicação direto e, na hora de comentar posições e decisões do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à guerra entre seu país e Rússia, Zelensky responde sem rodeios: “Como se pode priorizar a aliança com um agressor?”
A pergunta retórica foi feita durante um encontro com jornalistas latino-americanos num dos prédios do grande complexo presidencial em Kiev, ao qual se chega após caminhar alguns quarteirões isolados por segurança, medida que transformou um charmoso bairro da capital ucraniana numa espécie de estúdio de cinema. Por lá passam apenas moradores registrados, soldados e funcionários. O controle é rigoroso, e ao entrar no palácio jornalistas devem deixar seus celulares, relógios e praticamente todos os seus pertences em armários. São permitidos apenas cadernos, canetas, passaportes e gravadores analógicos, praticamente extintos no trabalho de qualquer jornalista.
O prédio escolhido para o encontro tem estilo imperial e, segundo autoridades locais, é utilizado para receber visitas importantes. Durante quase uma hora, o presidente ucraniano deu sua visão sobre o conflito iniciado com a invasão da Rússia a seu território, condenada pelo Brasil no âmbito das Nações Unidas, em 24 de fevereiro de 2022. Quando se referiu a países como Argentina, Chile, Colômbia, Peru e El Salvador, Zelensky expressou desejos de cooperação, até mesmo em matéria de produção de armamentos e outros tipos de produtos do setor de defesa. Na hora de falar sobre o Brasil, só saíram de sua boca questionamentos, críticas e frases que refletem o clima de perplexidade que existe na Ucrânia em relação ao governo Lula.
“O Brasil deve estar do nosso lado e dar um ultimato ao agressor [a Rússia]… por que temos de voltar a repetir essas coisas? Pela memória histórica, por temas econômicos? A economia é importante até que chega uma guerra, e quando a guerra chega os valores mudam. Pesam mais as crianças, a família, a vida, só depois está o comércio com a Federação russa”, diz o presidente ucraniano, em uma de suas alfinetadas no governo brasileiro.
Em Kiev, existe consenso entre funcionários e diplomatas ucranianos sobre o que consideram uma posição pró-russa do governo brasileiro no conflito com seu país. A declaração conjunta entre Brasil e China sobre a guerra assinada em recente visita do assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, a Pequim, reforçou a convicção entre membros do governo Zelensky, começando pelo próprio presidente, de que o governo Lula está do lado da Rússia. O chefe de Estado tenta não destruir pontes com o Brasil, mas não consegue esconder sua irritação.
Em conversas informais, assessores de Zelensky admitem saber que Lula não participará da reunião convocada pela Suíça em meados de junho para discutir o conflito entre Rússia e Ucrânia. Tampouco irão as mais altas autoridades da China. Em ambos os casos, a justificativa é a mesma: Brasil e China não acreditam em conversas sobre um eventual processo de paz sem a participação dos russos.
“Não entendo. Por que não confirmar [a participação dos presidentes no encontro]? A última sinalização é de que Brasil e China estariam dispostos a participar se a Rússia participar. Mas a Rússia nos atacou. Por acaso o Brasil está mais próximo da Rússia do que da Ucrânia? A Rússia é hoje um país terrorista”, afirma Zelensky, visivelmente incomodado.
O ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira expressou seu desejo de que o presidente russo, Vladimir Putin, participe da cúpula de chefes de Estado do G20, em novembro, no Rio. Já o governo Zelensky ainda espera que o presidente ucraniano receba um convite para ir ao Brasil.
A primeira dama ucraniana, Olena Zelenska, também fez apelos ao Brasil: “Convido o presidente Lula para que participe da cúpula da paz [na Suíça]. Seria uma oportunidade de renovar relações acidentadas”.